quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Padrinhos de casamento na Igreja


 
Gostaria de tirar uma dúvida que me foi passada por uma amiga que irá se casar em breve em nossa Capela. Ela não é muito ligada à Igreja e sua mãe faz parte do curso bíblico conosco. Fui indagado sobre os padrinhos que são amigos do casal, onde um é espírita e outro não é casado na Igreja, se há impedimentos nesse sentido para padrinhos?

A preocupação com os padrinhos ou testemunhas entrou em cena na Igreja, especialmente com a controvérsia protestante (séc. XVI), onde a Igreja passou a obrigar a forma canônica do matrimônio em alguns lugares, onde essa não fosse em contraste com a legislação civil. A causa de tal determinação era contextualizada, sobretudo, diante dos matrimônios clandestinos. Era muito comum naquela época uma mesma pessoa contrair o matrimônio em forma oculta, na qual não havia nenhum controle, nem pelo Estado e nem pela Igreja. As pessoas se separavam livremente do seu cônjuge, vivendo em estado de adultério com outras, sem considerar se a primeira celebração tinha sido válida ou não em seu devido consentimento. Diante disso, a Igreja se viu na iminência de legislar sobre o matrimônio de seus fiéis. Assim, o Concílio de Trento elaborou um decreto, que passou exigir que o matrimônio fosse celebrado na presença do pároco, ou de outro sacerdote delegado por ele, e diante de três testemunhas.

Este decreto foi aplicado entre os fiéis católicos, sobretudo onde ele podia ser publicado. Porém, como ainda aconteciam matrimônios realizados em modo clandestino, em 02 de agosto de 1907, a Sagrada Congregação do Concílio emanou um outro decreto, determinando que só seriam válidos aqueles matrimônios que fossem contraídos diante do pároco, ou diante do Ordinário do lugar, ou de um sacerdote delegado por ele e, pelo menos diante de duas testemunhas.

Como se percebe, entre o decreto de Trento e o decreto de 1907, diminui o número das testemunhas (padrinhos), de três para duas. Tal obrigatoriedade permanece em vigor no atual Código de Direito Canônico.
A legislação da Igreja não prevê requisitos para as testemunhas comuns do matrimônio. Basta que sejam ao menos duas. Requer apenas que tenham a idade e as condições físicas e psíquicas, isto é, que estejam em condições de dar fé ao que estão testemunhando, “de visu” e “de auditu” (na sua visão e audição). Por isso, podem ser um homem e uma mulher, ou dois homens, ou duas mulheres. Também não se requer que sejam católicos, acatólicos ou da tradição religiosa que pratiquem ou não. O que importa é que sejam pessoas com capacidade para testemunhar o consentimento dado pelas partes.

Portanto, se pode questionar, a partir do ponto de vista pastoral, se os padrinhos (testemunhas) de outra religião, se são divorciados ou numa união irregular. Porém, do ponto de vista canônico, não se requer nada disso. Na essência da questão, quem são os ministros do matrimônio são os cônjuges, que dão o seu consentimento, sendo testemunhados por pessoas capazes de testemunhar, independente do sexo ou da religião que pratiquem.

 

 

 

 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um casamento somente no civil pode ou não ser convalidado pela Igreja?

Escreve uma internauta que vive num país que fala a língua portuguesa: Encontrei no seu blog um tema que me deixou entusiasmada, e por isso lhe estou a escrever. O assunto a que me refiro é a sanação radical dos matrimónios inválidos, entre eles os casamentos celebrados apenas no registro civil. Eu sou apenas casada pelo registro civil há 12 anos. O meu marido não quis casal pela igreja e ainda hoje não quer. Com base naquilo que li no seu blog, fiquei entusiasmada e escrevi ao Tribunal X, de minha Diocese, expondo a minha situação e o desejo de regularizar a minha situação com a igreja, mas a resposta foi a seguinte:
 
Em relação ao que refere, não é possível qualquer "sanação radical" por parte da autoridade eclesiástica nas circunstâncias indicadas, pelo simples facto de não ter havido matrimónio canónico. O mecanisno da sanação da raíz existe como forma de validar um matrimónio nulo, mas pressupõe-se que tenha existido a sua celebração, embora inválida. Consultar a este respeito os cânones 1161 a 1165 do actual Código de Direito Canónico. A informação que está na internet a este respeito não é correcta de acordo com a legislação canónica. Ninguém pode celebrar matrimónio sem ser de forma voluntária e consciente, não pode ser coagido ou forçado. Enquanto o seu marido não aceitar casar pela Igreja, a sua situação continuará a ser irregular, como V.Exª tem consciência.

Esta foi a resposta. Deve haver aqui, erro de interpretação, pois de outra forma não entendo que sendo a mesma Igreja, a mesma doutrina, etc. sejam as práticas diferentes.
 
A senhora tem toda a razão, no sentido de ter clareza, sobretudo em não andar contra a doutrina da Igreja. Então, é necessária uma justificativa diante do que publiquei, inclusive com suas referências e fontes bibliográficas, como segue:
 
1)    A base da matéria que estamos discutindo encontra-se neste blog, no link: http://paroquiavirtualfreiivo.blogspot.com.br/search?q=sanatio
2)    O meritíssimo juiz respondeu à questão, dizendo que não é possível qualquer "sanação radical" por parte da autoridade eclesiástica nas circunstâncias indicadas, pelo simples facto de não ter havido matrimónio canônico. De fato, não houve matrimônio canônico, porque foi celebrado somente no civil. O matrimônio para ser canônico, dentre outros elementos, pressupõe a forma canônica, isto é, que seja celebrado diante de uma testemunha qualificada da Igreja (sacerdote, diácono, leigo ou leiga delegado pela Igreja). E se fosse canônica celebração, neste caso, não entraria em cena a sanação na raiz. Daí a demanda em prol da graça a ser concedida pela autoridade competente;
3)    O meritíssimo juiz continua sua resposta, afirmando que: ninguém pode celebrar matrimónio sem ser de forma voluntária e consciente, não pode ser coagido ou forçado. Concordamos plenamente que ninguém possa ser coagido. Mas aqui, não se trata de coação, uma vez que houve a celebração diante do Estado (casamento civil) e o consentimento perdura por 12 anos. Em outras palavras, se fosse por coação e estivesse em perigo a perseverança no consentimento, não se aplicaria ao caso a sanação na raiz (cf. cânon 1162, § 1);
4)    Ao avaliar o fato anterior - postado neste blog - ao dizer que um casamento celebrado apenas no civil pode ser convalidado, minha afirmação teve como base dois comentários do Código de Direito Canônico, respeitados e usados pela maioria dos canonistas. O primeiro teve como base Luigi Chiappetta, Il Codice di Diritto Canonico: commento giuridico pastorale, Roma, 1996, volume II, comentário ao cânon 1161, página 428. O segundo comentário usado partiu de Alberto Bernárdez Cantón, Comentário ao cânon 1162, em: Comentario exegético al Código de Derecho Canónico, vol. III/2, página 1628. Cantón, ao comentar tal cânon, cita em nota de rodapé renomados autores e juízes (W. Bertrams, De effectu consensus matrimonialis naturaliter validi, in: VV.AA., De matrimonio coniectanea, Roma, 1970; L. Del Amo, La eficacia del consentimiento en el matrimonio civil de los apóstatas, Madrid, 1962; sentencias coram Staffa, 18/05/1951; coram Di Felice, 08/06/1954; coram Fiore, 15/06/1964; coram Di Felice, 20/06/1970; coram Serrano, 24/02/1978; coram Ferraro, 24/02/1981;
5)    Diz ainda o juiz do Tribunal: Enquanto o seu marido não aceitar casar pela Igreja, a sua situação continuará a ser irregular. Aqui, remeto a resposta ao próprio cânon 1164, onde reza o Código que a sanação pode ser concedida validamente, mesmo sem o consentimento de uma das partes. Entendo que não se trata de uma causa grave, mas o simples fato de o esposo não concordar que o casamento seja celebrado outra vez na Igreja. Caso contrário, não se aplicaria este recurso. Pelo que conheço em minha ação evangelizadora, são inúmeros casos que pedem a sanação da raiz ao seu bispo, pelo simples fato de estarem bem, com perseverança no consentimento matrimonial já dado na celebração civil e que criam resistência para outra celebração na Igreja. Nestes casos, depois de uma boa conversa com as partes, não vejo o porquê da negação do decreto e a condenação da parte que quer comungar na Igreja ter que viver a vida toda nisso, somente porque a outra parte não concorda. Por conseguinte, quando é bem argumentado na ilustração do pequeno processo, feito na paróquia, o bispo concede o decreto da sanação na raiz.
 
Diante do exposto, seja de direito que de fato, não encontro argumentos suficientes na resposta do meritíssimo juiz para dizer que a informação que está na internet a este respeito não é correcta de acordo com a legislação canónica. Portanto, recomendo que se procure o pároco para uma conversa sobre o seu caso e que se envie o processo ilustrado ao bispo, tendo em vista o decreto da sanação na raiz.

sábado, 13 de outubro de 2012

Confissão pelo telefone


No final da exposição sobre o sacramento da penitência, nas aulas ministradas na Faculdade de Teologia do Instituto Teológico Franciscano (Petrópolis), foram sugeridos pelo professor de Direito Canônico alguns “workshops”. Num dos casos, apareceu a questão da confissão pelo telefone celular. O exercício foi concluído com sucesso, devidamente esclarecido pelo professor. Porém, numa pesquisa feita nestes sites de busca, depois das aulas, eis que apareceram novos elementos, que merecem ser compartilhados.

1. A Igreja Católica teria aprovado um aplicativo para iPhone que funcionaria como confessionário virtual, permitindo, inclusive que o fiel pudesse manter no aparelho o registro de seus pecados. A confissão inicia, como de costume, pelo nome do pai, do filho, do espírito santo. A seguir, o penitente clica no , lê os dez mandamentos, confrontando-se com os mesmos. Na sequência há a acusação pessoal de seus pecados, enquanto reconhecimento virtual, a partir da lista de pecados sugerida no aparelho. Tal aplicativo permite ainda que o internauta faça um exame de consciência em base à sua idade, sexo e estado civil.

2. A finalidade da criação deste aparelho seria encorajar os usuários a compreender suas ações e a buscar um padre para obter absolvição. “Nosso desejo é convidar os católicos a se envolverem com sua fé através da tecnologia digital - disse Patrick Leinen, membro da Little iApps”. Continua o site, afirmando que: “O lançamento foi feito após o Papa Bento XVI exortar os católicos a usarem a comunicação digital e mostrarem-se presentes online”. (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/02/09/confissoes-pelo-celular-361966.asp).

3. A tecnologia da confissão pelo telefone celular foi uma ideia que surgiu em 2011 nos Estados Unidos, sendo apresentada à Igreja pelos irmãos Patrick e Chip Leinen, intermediada por dois sacerdotes católicos. Tal ideia teve a aprovação do bispo Kevin C. Rhoades, da diocese de Fort Wayne-South Bend (Cf. http://arnsg.org.br/noticias/23747/Internet--Vaticano-afasta-possibilidade-de-confissoes-pelo-celular.html).

4. A ideia pareceu ser uma “santa tecnologia”. Porém, ao ser consultado, o Vaticano respondeu oficialmente pelo porta-voz, Padre Frederico Lombardi: “O sacramento da penitência precisa do diálogo pessoal entre o padre e o penitente”(Cf. http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/02/vaticano-rejeita-aplicativo-que-permite-confissao-pelo-celular.html).

5. Os sacramentos da Igreja são meios usados para a sua santificação, através da liturgia, que os realiza por meios visíveis (can. 834, § 1). Tais ações litúrgicas não são meios privados. Existem a matéria e a forma, usadas numa celebração comum da Igreja (can. 837, § 1). Essas ações requerem a intermediação do ministro sagrado, especialmente no sacramento da penitência. De acordo com o cânon 965, o ministro do sacramento da penitência é somente o sacerdote.

6. Embora no Código de Direito Canônico não apareça especificamente que seja proibida a confissão por telefone, não podemos esquecer que além da presença física na confissão, os pecados confessados por estes meios, por mais seguros que sejam, poderiam ser ouvidos por outrem, quebrando-se assim o sigilo confessional (can. 983, 1388 e 1550, 2º).

7. As partes que constituem o sacramento são a contrição, a confissão, a satisfação (penitência) e a absolvição. Assim, a confissão e a sua absolvição (can. 960) integram o sacramento da penitência como um todo.  

Em base a isso, a Igreja não condena o que ajuda o ser humano na comunicação. Porém, a Igreja não se sente autorizada a mudar a tradição daquilo que sempre foi a sua praxe entre a matéria e forma dos sacramentos. Portanto, os meios inventados pelas últimas tecnologias, sejam eles, o iPhone, ou qualquer outra mídia, podem ajudar na preparação de uma boa confissão. O mesmo se pode afirmar da missa assistida na TV ou na Internet. Contudo, seria incompleta a confissão, se não passasse pelo sacerdote, enquanto ministro oficial da absolvição sacramental, assim como seria incompleta a missa assistida, sem a participação física dos fiéis e de seus ministros nestes sacramentos, com sua matéria e forma.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Casado no civil, divorciado, pretendente ao matrimônio na Igreja

Macarena está namorando Felipe há cerca de três anos. Ela é livre, batizada na Igreja Católica, participante da comunidade. Felipe também é batizado na Igreja. Porém, foi casado com Giovanna, somente no civil, permanecendo vinculado a ela, sem filhos, por apenas dois anos. Devido às constantes infidelidades, Felipe resolveu por bem pedir o divórcio, uma vez que estava sendo “chifrado” quase todos os dias. Sendo participante ativo da comunidade, uma vez que o namoro com Macarena é promissor, vai até o pároco para consultá-lo, se ele poderia se casar na Igreja com a atual pretendente. O pároco, depois de uma longa conversa com os dois, percebeu que haveria fundada esperança de agora dar certo para Felipe. Contudo, não soube responder se isso seria possível, ou seja, se haveria qualquer impedimento ou irregularidade para os contraírem núpcias na Igreja?

A Igreja Católica sempre primou pelo interesse em proteger o matrimônio de seus fiéis, para que sejam unos e indissolúveis. Sempre deixou claro que Cristo elevou à dignidade de sacramento aquele pacto natural entre o homem e a mulher, destinado ao bem dos cônjuges, ao bem da prole e ao bem do sacramento. Contudo, somente a partir da controvérsia com os Protestantes (séc. XVI) houve a obrigatoriedade dos batizados católicos ao matrimônio na Igreja. A Igreja, a partir do Concílio de Trento, manifestou oficialmente o desejo de proteger seus fiéis contra os matrimônios clandestinos. Assim, decretou que todos os matrimônios deveriam ser celebrados de acordo com a forma canônica, desde que não fossem em contraste com a legislação civil. A forma canônica consistia na celebração feita diante do pároco, ou um sacerdote, ou diácono delegados por ele e na presença de duas ou mais testemunhas (Decreto Tametzi). A forma canônica, apesar de seus altos e baixos, somente passou ser obrigada em toda em toda a Igreja a partir de 1907 (Decreto Ne temere).

O Código de Direito Canônico determina que “somente são válidos os matrimônios contraídos perante o Ordinário local ou pároco, ou um sacerdote ou um diácono delegado por qualquer um dos dois como assistente, e além disso perante duas testemunhas”(cânon 1108, § 1). E onde há falta de sacerdotes ou diáconos, o Bispo diocesano, com a licença da Santa Sé, pode delegar fiéis leigos ou fiéis leigas para assistirem aos matrimônios de seus fiéis (cânon 1112, § 1). São as chamadas testemunhas qualificadas ao matrimônio. Essa abertura em prol da cooperação laical é favorecida pelo Vaticano II. A teologia que está por detrás da abertura é a compreensão de que os ministros do matrimônio são os próprios nubentes.

Aplicando a forma canônica ao caso em epígrafe, significa que todo cristão, batizado na Igreja católica ou nela recebido, está obrigado ao matrimônio oficial na Igreja. Por consequência, se o casamento acontece somente no civil, somente se torna válido perante a Igreja, se houver o interesse das partes em celebrar tal casamento de acordo com a forma canônica acima estipulada, que se converte em sacramento do matrimônio.

Em si, a Igreja não admite o divórcio civil de matrimônios sacramentos. Porém, na questão em epígrafe, isto não está em jogo, uma vez que o casamento anterior foi celebrado com defeito de forma, pelo fato ser apenas celebrado de acordo com o ordenamento civil e não constar, posteriormente, sua celebração na Igreja.

De acordo com o Direito da Igreja, apesar de os batizados na Igreja estarem obrigados à forma canônica, um casamento celebrado somente no civil não é considerado sacramento. E se é não é sacramento, mesmo que tenha havido o divórcio, não é necessário que o mesmo seja declarado nulo pela Igreja.

Portanto, se uma pessoa se casou somente no civil e se divorciou, como no presente caso, a Igreja não tem direito de interferir naquele casamento, porque não é de sua competência. Por conseguinte, a pessoa está livre para contrair novas núpcias na Igreja.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Convalidação de uma união de fato na Igreja

Tereza é católica, batizada e crismada na Igreja católica. Convive com o marido há uns 15 anos, mas ele não vê sentido em se casar nem no civil e nem no religioso. Numa conversa com seu orientador espiritual, Tereza teria recebido autorização para comungar na Igreja. Porém, na medida em que se aproximava da Eucaristia, pessoas da comunidade a miravam com um olhar reprovador. Foram falar com o pároco, afirmando que se ela vive em união irregular, não poderia comungar na Igreja. O pároco a procurou para uma conversa. Tereza entendeu que até poderia solicitar um decreto do Bispo, para liberá-la para a comunhão. Mas o pároco não teve certeza na hora do encaminhamento, se isso seria possível sem ela ser casada no civil?

1. O presente caso mexe com o Direito Canônico, configurando-se na sanatio in radice (sanação radical), de acordo com os cânones 1161 a 1165.

2. A sanação radical é um recurso do direito, usado sobretudo para sanar ou remediar um matrimônio nulo, sem a necessária renovação do consentimento pelos contraentes. A sanação traz no bojo a dispensa de um impedimento, se houver, ou a dispensa da forma canônica (can. 1161, § 1). É uma graça concedida pela autoridade competente da Igreja, que convalida o matrimônio desde a sua origem (can. 1161, § 2). Releva-se que não é a sanação que cria o vínculo matrimonial, mas o consentimento das partes. A sanação é um remédio para melhorar a seqüência da vida matrimonial, de acordo com o consentimento já efetivado pelas partes desde as suas origens. É indispensável, porém, que haja a intenção das partes de perseverar na vida conjugal (1161, § 3). Caso contrário, não se aplica esse recurso, porque a sua eficácia seria falida por si mesma. Exemplo: não seria possível legitimar um casamento civil que se encontra em vias de separação ou de divórcio, mesmo que seja solicitada a sua sanação radical.

3. A sanação, segundo atesta a história da Igreja, foi um recurso usado até em situações gerais pela Igreja, para remediar muitos casos de matrimônios nulos desde a sua origem (cf. A. B. CANTÓN, Comentario (can. 1165), in: Comentario exegético al Código de Derecho Canónico, vol. III/2, p. 1635):
1) A sanação concedida por Júlio III na Inglaterra em 1554, para facilitar o retorno dos casados à Igreja católica;
2) A sanação concedida por Clemente VIII em 1595, para os matrimônios dos gregos, contraídos com o impedimento da consangüinidade de quarto grau;
3) A sanação concedida por Pio VII em 1809, para os matrimônios civis contraídos durante a revolução francesa;
4) A sanação concedida por Pio X, declarando válidos os matrimônios contraídos na Alemanha até abril de 1906.

4. A sanação aplica-se aos casos de matrimônios que têm um defeito na raiz de sua origem. Os defeitos mais comuns são:
1) Um impedimento dirimente. Ex. matrimônio entre consanguíneos;
2) Um matrimônio realizado com defeito de forma. Ex. matrimônio assistido pelo ministro ordenado ou pela testemunha qualificada, sem a delegação do pároco;
3) Um vício inicial de consentimento. Ex. incapacidade psíquica de uma das partes, porém sanada posteriormente;
4) Um casamento celebrado somente no civil;
5) Se uma das partes se nega ao matrimônio na Igreja;
6) Se já houve a celebração religiosa em outra denominação cristã (mista religião). Ex. matrimônio de uma parte católica com outra da Assembléia de Deus.

5. Os efeitos da sanação não acontecem a partir do momento em que a mesma é concedida, mas a partir do consentimento dado pelas partes. Ex. se o casamento civil entre A e B aconteceu em 1990 e a sanação foi solicitada em 2012, tal matrimônio com esse recurso, torna-se válido naquele ano e não na atualidade. Portanto, os efeitos da sanação são retroativos à data do consentimento proferido pelas partes, desde que o mesmo perdure (can. 1161, § 3).

6. A solicitação da sanação pode ser feita diretamente pelas partes interessadas ou por intermédio de outra pessoa. A autoridade competente da Igreja a conceder o decreto da sanação é a Sé Apostólica ou o Bispo diocesano (can. 1165). Os casos mais comuns são concedidos Bispo diocesano, desde que não haja um impedimento reservado à Sé Apostólica.

7. Diante do exposto, nos perguntamos, se seria possível a sanação na raiz para as uniões de fato (entre um homem e uma mulher), que não se casaram no civil?

8. O respeitado italiano - Luigi Chiappetta - sustenta que mesmo nesses casos é possível este recurso, desde que os cônjuges demonstrem “uma sincera vontade de viver em modo estável como marido e mulher” (L. CHIAPPETTA, Il Codice di Diritto Canonico: commento giuridico pastorale, vol. II, p. 428; cf. também: J. CORSO, A importância pastoral da sanatio in radice, in: Direito e Pastoral, 37 [1999], p. 64).

9. A Constituição da República reconhece “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”. Porém, para ser reconhecida como família, essa união deve ser convertida em casamento (Art. 226, § 3). Para haver a conversão, é preciso que haja o casamento civil, ou o casamento religioso com efeito civil nos termos da lei (cf. Art. 226, §§ 1-2). Contudo, sabemos que basta que união de fato perdure, para que haja expectativa de direito. E pipocam casos na nossa sociedade brasileira, em tais uniões acabam sendo equiparadas ao casamento, sobretudo quando se trata de defesa de seus direitos instaurados na vida a dois.

10. A Igreja católica é muito prudente, ao avaliar estes tipos de uniões. Por isso, dificilmente se consegue o decreto de sanação. Porém, se for comprovado que o consentimento dado em modo natural não foi e não está sendo prejudicado, não vemos motivos para não concedê-lo. É claro que o casamento civil é uma garantia a mais. Contudo, não bastam os papéis, se a prática é ou poderá ser outra!

11. Nos encaminhamentos dados, o pároco ou outra pessoa indicada por ele deve avaliar o pedido, tendo como base as seguintes balizas: 1º) Procurar o pároco ou o seu assistente espiritual e narrar a sua história, em que manifeste os motivos da sanação; 2º) Quem ouve a história, deveria interrogar a parte interessada e, se possível o casal, para que apresentem as justificativas do não casamento no civil; 3º) Se houver um justo motivo pelo não casamento no civil, prosseguir com o caso, elaborando um breve histórico, constando os nomes dos cônjuges, o local e data de nascimento, a data do batismo de ao menos uma parte na Igreja católica e os motivos que norteiam a solicitação. A seguir, emitir um parecer pessoal sobre a perseverança do consentimento natural das partes; 4º) Se uma das partes não concordar no pedido na sanação, agir com prudência, porque pode estar comprometendo a seriedade de tal solicitação e de seus efeitos. Seria ideal consultar a outra parte, para comprovar que isso não motivo de desavença dos cônjuges; 5º) Anexar ao pedido o batistério recente das partes (ao menos da parte católica), bem como um ou mais depoimentos de pessoas que conheçam o casal, afirmando sua perseverança na vida à dois.

12. O decreto da sanação é comunicado à paróquia onde as partes foram batizadas, para ser transcrito no livro de batismos. Os efeitos da sanação são os mesmos do matrimônio na Igreja. Isso significa que ambos os cônjuges estão livres para comungar na Igreja e fazer de tudo para que o seu lar continue sendo uma Igreja doméstica, no cultivo dos valores essenciais da vida a dois e na educação dos frutos oriundos de tal consentimento, sanado em sua raiz.

sábado, 28 de julho de 2012

Dispensado do sacerdócio e casado no civil

Timóteo, filho de uma família católica, praticante, entra para o seminário menor com 14 anos de idade. Faz toda a sua formação propedêutica, os cursos de filosofia e teologia. Ordena-se diácono e um ano depois, com 26 anos de idade, ordena-se presbítero. Exerce o seu ministério ordenado durante um ano no Brasil e depois, a pedido de seus superiores, é encaminhado para a Espanha, tendo em vista o mestrado em teologia bíblica. Lá, durante as noites escuras de seus questionamentos, encontra Valentina, por quem se apaixona e inicia um relacionamento amoroso. Entre altos e baixos, a sua crise dura 5 anos, até que se decide a abandonar o sacerdócio e se casa com Valentina no civil. Depois de alguns anos, resolve regularizar a sua dispensa na Igreja, tendo em vista a comunhão eucarística na Igreja. Apresenta a demanda e, depois de uma demora de quase 10 anos, recebe o indulto de dispensa da ordem sagrada e das obrigações derivantes do sacerdócio. Diante disso, Timóteo e Valentina perguntam se seria necessário repetir a celebração do matrimônio na Igreja, agora que estariam liberados para a comunhão eucarística, ou se haveria outra saída.

1. A dispensa do estado clerical (diaconato e presbiterado) envolve também a dispensa das obrigações que derivam das promessas do celibato na Igreja. É um longo itinerário, que inicia na diocese onde a pessoa foi ordenada, ou no Instituto de Vida Consagrada ou Sociedades de Vida Apostólica, se for o caso. Depois de reunidas todas as provas, o processo é encaminhado para a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Se as provas forem convincentes, são então ratificadas pelo Papa, que dá o devido indulto ao demandante.

2. A ilustração do processo segue os seguintes passos:
1) Súplica do Demandante, escrita ao Papa, em que demonstre as verdadeiras causas que motivem a sua dispensa;
2) Curriculum vitae do Demandante;
3) Declaração de aceitação da Súplica do Demandante, dada pelo Ordinário Local;
4) Decretos de nomeação do Instrutor da causa e do Notário, dada pelo Ordinário Local;
5) Questionário, respondido pelo Demandante;
6) Questionário, respondido pelas Testemunhas indicadas pelo Demandante;
7) Parecer dos Formadores durante o seu tempo de formação;
8) Parecer do Instrutor (breve exposição do caso e aplicação do direito ao fato);
9) Parecer do Ordinário Local onde o Demandante está incardinado;
10) Declaração favorável do Ordinário local sobre a ausência de escândalo no caso do Demandante ser dispensado.

3. O itinerário supracitado pode ser rápido e, se for como manda o figurino, com provas que convençam, o indulto não demora muito. O problema surge, quando o Demandante ainda é muito jovem. Soe na Igreja, não dispensar pessoas que ainda não completaram os 40 anos de idade, por motivos de arrependimento. Surgiram casos no cenário da Igreja em que as pessoas pediram a dispensa e, por serem muito jovens, acabaram se arrependendo e querendo voltar atrás. Diante disso, a Igreja resolveu procrastinar os casos que entravam o processo, ainda muito jovens, para que de fato fosse séria a sua decisão.

4. O caso em epígrafe, de acordo com a entrevista feita, apresenta motivos convincentes, de que o Demandante já passava por frequentes crises já no tempo de sua formação inicial. Mantinha um relacionamento amoroso com uma garota, não obstante fosse já ordenado. Pensava que poderia sublimar isso, mas não conseguiu. Quando foi encaminhado para sua especialização no exterior, encontrou Valentina e o que pareciam meras amizades, com saídas juntos ao parque, cinemas, bares, com telefonemas diários, desencadearam no Demandante uma relação amorosa mais íntima. 4. Interrogado sobre o porquê de sua ordenação, uma vez que já se encontrava em crise, o Demandante respondeu que a sua vontade interior não foi bem deliberada naquele momento. Foi semelhante a certos matrimônios, em que as partes que o contraem, não estão suficientemente maduras para enfrentar as consequências da vida a dois. Na vida do presbítero, segundo ele, pode acontecer o mesmo drama. Quando a pessoa emite o juramento de fidelidade ao celibato e se ordena, mesmo não tendo muita certeza, sempre espera superar. Muitos ousam dizer: “Se não der certo, a gente descasa, a gente se divorcia”. No nosso estado de vida, de acordo com a resposta de Timóteo, também pode acontecer o adultério e se a pessoa não se emendar, pode levá-la ao divórcio com o consentimento emitido.

5. As dificuldades apresentadas pelo Demandante, certamente, não podem ser colocadas na falta de formação, pois ele foi formado em modo muito aberto, onde essas questões eram afrontadas com naturalidade pelos seus formadores. Além do mais, não lhe foi imposta a ordenação. Ele poderia muito bem ter respondido não a esse chamado, numa resposta mais profunda. Em sua fala ficou evidenciado que desde o primeiro envolvimento sexual com garotas, no fundo, ele já pensava em pedir a dispensa. Foi protelando a sua decisão, na expectativa de maior clareza, porém em vão. Foram anos e anos, entre altos e baixos, levando uma vida dupla entre o ser presbítero e ao mesmo tempo, flertando com algumas amigas do tempo da filosofia e da teologia e, mais tarde, com Valentina.

6. O juiz instrutor escreve em seu parecer que as principais razões que motivam a súplica do Demandante, são: a incompatibilidade entre a promessa do celibato e a sua libido sexual, que não conseguiu sublimar, a não ser numa relação conjugal estável. Também no confronto direto com o mundo consumista, houve o esfriamento daqueles valores assumidos, num consentimento eivado de indecisão. Se tudo é relativo no mundo atual, de acordo algumas afirmações do Demandante, então se divorciar do celibato também é relativo, o que resulta em valores desnecessários para a salvação. Diante disso, o juiz conclui que as dificuldades são permanentes, não vendo eu outra perspectiva, que a sua dispensa do estado clerical e das obrigações derivante do celibato.

7. O demandante, quando apresentou sua súplica, já era casado no civil. Não podia ter contraído núpcias na Igreja, porque estava vinculado à ordem sagrada (cânon 1087). Daí a preocupação que o motivou a esta demanda, tendo em vista o reconhecimento em sua comunidade, do indulto recebido da Igreja.

8. Diante do exposto, considerando que o Demandante já está casado diante do Estado (num casamento duradouro) e que não gostaria de repetir a cerimônia perante a Igreja, a saída encontrada é a sanatio in radice (sanação na raiz). A motivada súplica de Timóteo e Valentina pode ser dirigida ao bispo de sua diocese de domicílio. O decreto dado pelo ordinário local os libera do impedimento da forma canônica (cânon 1108), acontecido no seu casamento civil. Com este decreto, é reconhecido o seu casamento, como se fosse o matrimônio na Igreja, sem necessidade de outra celebração na comunidade eclesial. Para entender melhor a sanação na raiz, acesse: http://paroquiavirtualfreiivo.blogspot.com.br/2011/08/convalidacao-de-um-matrimonio-com.html.

sábado, 26 de maio de 2012

Idosos sem Primeira Eucaristia

Seu Benedito, com 80 anos de idade, se apresenta em nosso Santuário para uma conversa. Narra que foi batizado logo em seus primeiros anos de idade numa capela do interior do Nordeste. Quando se preparava para receber a Primeira Eucaristia, perdeu a sua mãe e, a partir deste momento, mudou-se para outra cidade, onde foi cuidado pelos tios. Os tios eram de outra denominação cristã e, com vergonha, preferiu permanecer no anonimato. Frequentava a comunidade católica, sempre com o desejo de comungar, mas não o fazia pelo fato de ser adulto e não ter passado pela Primeira Comunhão. Mais tarde, veio morar no centro do Rio de Janeiro e aqui vive até os dias atuais. Na eminência de fazer uma cirurgia, pergunta se poderia receber a Eucaristia.

1. A norma da Igreja Católica diz que: “É dever, primeiramente dos pais ou de quem faz as suas vezes e do pároco, cuidar que as crianças que atingiram o uso da razão se preparem convenientemente e sejam nutridas quanto antes com esse divino alimento, após a confissão sacramental; compete também ao pároco velar que não se aproximem do sagrado Banquete às crianças que ainda não atingiram o uso da razão ou aquelas que ele julgar não estarem suficientemente dispostas” (cânon 914).

2. A ideia de fundo desta norma tem como base a compreensão de que o comungante, para receber a Primeira Comunhão, deve entender o mistério de Cristo que está comungando. Então, a pessoa deve ter ao menos a idade da razão (sete anos) ou saber distinguir o Corpo de Cristo dos demais alimentos, bem como recebê-Lo com reverência. Via de regra, ela deveria estar devidamente preparada pela família, pelo pároco ou através da catequese.

3. É costume, na maioria das paróquias do Brasil, somente admitir à Primeira Eucaristia, pessoas amadurecidas na fé e na caminhada da Igreja. Por isso, se aconselha que Ela seja ministrada aos sujeitos com doze a quatorze anos de idade. Porém, tanto essa idade, quanto o estar cursando um certo ano da escola, não passam de bons conselhos, porque pelo Código de Direito Canônico, bastaria que a criança estivesse com a “idade da discrição” (sete anos).

4. Outro aspecto que se deveria evitar na pastoral é a ideia de um mero ato social, onde todas as crianças e adolescentes fazem da Primeira Eucaristia um verdadeiro desfile de moda, com fotos, vídeo, excesso de flores e adereços desnecessários ao sacramento.

5. O que fazer com pessoas que mesmo sendo adultas, não possuem um verdadeiro discernimento? É o caso dos excepcionais e das pessoas enfermas, que na maioria das vezes, provocam dúvidas no ministro. Se persistir a dúvida, na certeza moral, a comunhão não pode ser negada. É melhor errar em prol da justiça do humano, que se colocar contra a possível dignidade do sujeito comungante.

6. Outra questão muito importante a ser lembrada é que quem está em pecado grave não deveria celebrar e nem comungar, licitamente, sem antes participar do sacramento da Penitência. A não confissão, porém, justifica-se pela falta de oportunidade. Nesse caso, o penitente é obrigado a fazer o ato de “contrição perfeita, que inclui o propósito de se confessar quanto antes”(cânon 916). Aqui entra a questão da incompatibilidade com o sacramento da Eucaristia. Não está em condições de comungar com a fonte da graça, que é o Cristo, quem se encontra em grave pecado. Os pecados menos graves (pecados veniais) são perdoados no ato penitencial da celebração eucarística. No fórum da confissão, soe acontecer que a pessoa revele também se ela estaria impedida ou não de receber a Eucaristia (cf. cânon 915).

7. Diante do exposto, uma possível alternativa ao fato, seria solicitar que seu Benedito fizesse uma preparação em sua comunidade, onde numa catequese intensiva, ele pudesse compreender melhor o sentido da Eucaristia. Porém, na conversa, após a confissão sacramental, ele afirmou que isso seria difícil, porque desconhece que tenha catequistas para prepará-lo, perto de sua residência. Portanto, não vemos motivos para motivos para negar a Primeira Eucaristia ao demandante, sobretudo agora, diante de uma cirurgia de risco a que será submetido. E que vigore a Misericórdia sobre a Justiça!

terça-feira, 17 de abril de 2012

Candidatas adultas para a vida consagrada

Irmã Maria nos escreve, colocando o seguinte caso:

“Pessoas adultas, solteiras, estão procurando a nossa Congregação. No momento, estamos com duas candidatas na faixa dos 50 anos de idade. Estamos acompanhando-as para clarear o objetivo real da procura. A pessoa a que me refiro é professora no Estado. Faltam-lhe 3 anos e alguns meses para sua aposentadoria. Está na casa dos 50 anos. Assumiu despesas na compra de um apartamento cujo pagamento está sendo financiado. Esta candidata foi acolhida por uma de nossas comunidades para um tempo de experiência e convivência. Está numa ansiedade muito grande para ser aceita numa etapa de formação. Porém, antes de se aposentar não poderá sair do emprego, por causa de perdas salariais. Considerando que é nossa primeira experiência nesta linha, precisamos buscar todas as orientações para que não tenhamos possíveis situações de conflito no futuro. O senhor poderia nos fornecer algumas pistas, à guisa de encaminhamento?”

Bem, considerando que a resposta que serve pode servir a outras Congregações ou Institutos de Vida Consagrada ou Sociedades de Apostólica, teço abaixo algumas orientações em forma de encaminhamento:

1) Os candidatos ou candidatas adultas, sempre devem ser acompanhadas com muita prudência, para que a Congregação não seja um refúgio de gente problemática, que queira resolver suas questões dentro de um convento, onde mais atrapalha do que contribui para o incremento do instituto e da fraternidade. Portanto, toda cautela ainda é pouca, na hora de aceitar ou não candidatas avançadas em idade;
2) O direito próprio de cada instituto determina sempre o tempo de provação, que normalmente acontece a partir do postulantado, oficialmente, seguido do noviciado e profissão simples. Se ao chegar o tempo de dar o seu sim definitivo, o instituto a aprovar, então emite ela a profissão perpétua;
3) O tempo de formação, o que normalmente chamam de propedêutico, que antece a etapa do postulantado, pode ser feito dentro ou fora de uma casa de formação ou fraternidade, segundo as diretrizes de cada instituto. Há casos em que as candidatas são acompanhadas, com visitas exporádicas (final de semana ou outro dia) à casa de formação. Há também aquelas que a norma do instituto, fazem este tempo dentro da casa formação e se julgadas aptas, iniciam o tempo de postulantado;
4) Durante o tempo de formação que antecede o postulantado, a pessoa poderia permanecer fora, trabalhando, sendo acompanhada exporadicamente por uma formadora. Porém, a partir do momento em que é aceita para o postulantado, este tempo deve ocorrer dentro da casa de formação, sem vínculo trabalhista;
5) Se a candidata se encaixar nos moldes anteriores, poderia ser aceita. Porém, na demanda inicial é dito que: “Antes de aposentar-se não poderá sair do emprego, por causa de perdas salariais”. Diante disso, não vejo saída, a não ser continuar o tempo de discernimento, sendo acompanhada enquanto trabalha e depois que tiver se liberado do vínculo trabalhista, poderá ser acolhida no postulantado;
6) Se a candidata optar pela orientação do número anterior, mesmo que inicie o postulantado, não precisa fazer o testamento da renúncia de seus bens. Isto somente deverá ocorrer na entrada no noviciado, passando a administração dos bens para outra pessoa, e definitivamente, na profissão perpétua. Aqui, julgamos como muito importante, que seja registrado em cartório o testamento. Caso contrário, não é válido na justiça comum (direito civil).

Salvo restando melhor juízo, estas são as orientações que posso dar no momento. E que o Espírito do Senhor ajude ambas as partes na seara do bom discernimento!

sexta-feira, 23 de março de 2012

Passagem de religiosa a um instituto secular


Irmã Maria pertence a um instituto religioso, ao que ela denomina de congregação religiosa. Este instituto foi fundado em 1867, recebendo mais tarde o seu reconhecimento de Roma (Instituto de direito pontifício). Ao apreciar como vivem as irmãs de um Instituto Secular, devidamente reconhecido por uma diocese em 1994 (instituto secular de direito diocesano), Irmã Maria gostaria de saber se ela encontra respaldo legal para fazer a passagem de instituto religioso a um instituto secular.

Quando se aborda a questão dos institutos de vida consagrada, é importante distinguir entre os institutos religiosos e os institutos seculares, na sua atual configuração jurídica da Igreja. Nessa distinção, alguns elementos são comuns, outros específicos:
1. Elementos comuns:
a)Profissão dos conselhos evangélicos (votos ou outros vínculos sagrados);
b)Incorporação a um instituto erigido pela autoridade competente da Igreja;
c)Vida em comum.

2.Elementos específicos dos institutos religiosos:
a)Votos públicos (simples, solenes, temporais ou perpétuos);
b)Vida fraterna (diferente da vida em comum);
c)Separação do mundo (conventos, mosteiros, casas, fraternidades);
d)Hábito religioso próprio do instituto.

3.Elementos específicos dos institutos seculares:
a)Qualquer vínculo sagrado, mesmo sendo feitos secretamente);
b)Secularidade (vivência no meio social onde são inseridos);
c)Apostolado específico na secularidade.

O Código de Direito Canônico prevê os seguintes critérios para que esta passagem aconteça:
1) Somente é possível a passagem de um membro de votos perpétuos, do próprio instituto religioso para outro, com a concessão dos Moderadores supremos de ambos os institutos, com o consentimento dos respectivos conselhos (can. 684, § 1);
2) O membro deverá fazer um tempo de prova de ao menos três anos no novo instituto, para que assim esteja habilitado à profissão perpétua naquele instituto. E se ele por acaso se negar a emitir tal profissão, cessa o seu tempo hábil, devendo retornar ao instituto de origem, ou se for de sua vontade, que obtenha o indulto de secularização (can. 684, § 2);
3) O direito próprio do instituto deve determinar o tempo e o modo de provação, que deve preceder à profissão no novo instituto (can. 684, § 4);
4) Os votos da religiosa permanecem válidos até a emissão da profissão perpétua no outro instituto. Porém, suspendem-se os direitos e obrigações provenientes do instituto anterior desde o início da nova prova, estando a religiosa obrigada à observância do direito próprio no novo instituto (can. 685, § 1);
5) Com a profissão perpétua no novo instituto acontece a incorporação ao mesmo, cessando-se os votos, direitos e obrigações precedentes (can. 685, § 2).

Diante do exposto, eis alguns encaminhamentos:
1) A Irmã que demanda a questão deve manifestar a sua vontade pessoalmente, ou por escrito, dirigida à Moderadora suprema da Congregação, que equivale aqui à Superiora Geral. Ela, por sua vez, solicitará à Moderadora suprema da outra Congregação, que acolha a Irmã para o devido tempo de provação. Ambas as permissões devem ser acompanhadas pelos consentimentos dos respectivos conselhos (can. 684, § 1). Caso contrário, o ato é nulo por si mesmo. Deduz-se do enunciado que bastam os contatos oficiais entre as duas Moderadoras, sem necessidade de outros procedimentos da Superiora provincial, regional ou local. Em resumo, é a Irmã que deve escrever à Moderadora suprema, sem necessidade de intermediação de outra autoridade local;
2) O tempo de provação decorre a partir da data da solicitação e da aceitação. Os critérios a serem observados no tempo de provação são determinados pela Superiora Geral da Congregação que a recebe, de acordo com o seu direito próprio. Para que a nova profissão perpétua seja emitida, este tempo não deve superar três anos;
3) Se porventura a Irmã quiser voltar atrás, ao seu instituto de origem, isso deve ocorrer no prazo de três anos. Isso é um direito seu, sem necessidade de emitir novamente a profissão perpétua, porque continua válida a sua profissão emitida anteriormente, que só perderá a sua validade, caso ela emita nova profissão no Instituto que a recebe. E se ainda ocorrer a hipótese de um dia ela voltar para a Congregação de origem, após ter feito a profissão perpétua na outra Congregação, terá ela que passar outro tempo de provação, a ser determinado pela sua Superiora Geral, acordo com a normativa do cânon 690, porque equivale à saída definitiva da Congregação.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Egoísta se casa e não dá certo


1. Reginaldo tinha 29 anos de idade quando começou o seu namoro com Priscila, que tinha 21 anos de idade. No ano seguinte noivaram e seis meses depois já estavam casados. A celebração foi muito bonita. Porém, na hora da recepção, os convidados já perceberam que Reginaldo se ausentou muitas vezes, com desculpas para atender as chamadas do celular. Na lua de mel, dormia o tempo todo, com pouco apetite para as relações sexuais. Nos dias seguintes, consumaram o matrimônio, com dificuldades, pois Reginaldo parecia distante, como se estivesse em outro mundo. Tiveram uma filha que foi educada pela mãe, uma vez que o pai sempre estava ocupado com o trabalho e suas coisas pessoais. Quando eram convidados para um ato social, o esposo resistia e quando fosse, preferia ficar em seu canto, longe de conversas e logo queria voltar pra casa. No lar, era viciado em internet e redes sociais. Não perdia um filme em sua TV por assinatura.

2. O relacionamento foi aos poucos esfriando e, depois de várias discussões e brigas, entre altos e baixos, este matrimônio durou apenas três anos e nove meses. Não percebendo possibilidades de reconciliação, Priscila sugeriu a separação, que depois foi convertida em divórcio. Um ano mais tarde, entrou no Tribunal Eclesiástico, suplicando a nulidade de seu matrimônio com Reginaldo. O Tribunal acolheu o seu súplice libelo, invocando os cânones relacionados à grave falta de discrição de juízo (can. 1095, 2º) e da incapacidade psíquica para assumir o matrimônio (can. 1095, 3º). Ambos os capítulos seriam aplicados ao esposo.

3. Para contrair núpcias na Igreja, não basta o suficiente uso da razão. É necessário que a pessoa apresente uma adequada maturidade psicológica. As pessoas afetadas pela falta de liberdade interna ou por grave falta de discrição de juízo não seriam capazes de contrair o matrimônio, porque não estariam em condições de julgar os direitos e deveres provenientes do mesmo.

4. As incapacidade psíquicas são defeitos em relação ao consentimento matrimonial, que alteram o equilíbrio das pessoas na hora de ponderar uma decisão ou ainda, para estabelecer um vínculo duradouro e estável. Podem ser anomalias, tais como a ninfomania, o sadismo, o masoquismo, a psicose, o alcoolismo crônico, a homossexualidade ou outros defeitos do ser humano, a serem vistos em cada caso. Tais defeitos rendem a pessoa incapaz de assumir as obrigações essenciais e próprias do matrimônio. O problema surge em confronto à necessidade de comprovar tais anomalias. Amiúde, essas anomalias podem ser julgadas somente por peritos. Nesse caso, o juiz eclesiástico, diante de uma causa de nulidade, pronuncia um juízo sobre a mesma, alegando-a perpétua ou sanável. Se é passível de um tratamento adequado, a anomalia não prejudica a vivência conjugal, permanecendo, todavia, válido o matrimônio. Caso contrário, é declarado nulo o matrimônio, depois de comprovados os seus motivos.

5. A pessoa egoísta conduz a sua vida em modo independente, sem pouco ou nenhum interesse pelo outro. Ela traça um plano de vida para si mesma, buscando sempre a satisfação de suas próprias necessidades, como se fosse uma ilha humana. Não consegue transcender o limite do próprio eu, em vista de um tu ou de um nós. Nos atos sociais, ou isola-se, ou chama a atenção para si mesma, como se não houvesse ninguém além dela. Se entrar para um grupo de amigos ou comunidade de fé, é egocêntrico, fazendo com que tudo gravite ao redor de sua própria vontade. Diante disso, se não se deixa trabalhar pela graça de Deus e pela ajuda de profissionais, dificilmente consegue conduzir uma vida matrimonial, justamente porque é privado do amor ao próximo, à esposa, ao filho, aos parentes, à comunidade.

6. O depoimento da esposa evidenciou que já no tempo do noivado Reginaldo era um tanto volúvel, sem iniciativas para nada além dos seus interesses. Era passivo, ególatra e muito vago em seu trabalho. Casar-se para ele significaria mudar de vida, porém, não conseguiu. Durante os dois primeiros anos de convivência, Priscila tinha que cuidar de tudo no lar, nas compras, nos cuidados com sua filha. Quando ia se pentear, ele ficava várias horas diante do espelho, como se fosse espelhando em sua própria imagem, narcisista. Só queria saber de jogar golfe e de ver televisão, além de muitas horas nos relacionamentos virtuais das redes sociais. Em resumo, não demonstrou capacidade para conduzir a vida a dois conforme as exigências do matrimônio.

7. Reginaldo colaborou no processo, comparecendo para depor. Em seu depoimento, negou muitas das afirmações que a esposa havia dito sobre ele. Porém, confirmou que desde pequeno foi muito mimado pela sua mãe, que lhe telefonava todos os dias e que sempre que possível a visitava. Também disse que tinha horror de festas de casamento, de aniversário, de comunidades e outros aglomerados de pessoas. Não gostava de crianças e pensava que a sua filha lhe traria outra compreensão, mas em vão. Segundo ele, se pudesse, estaria sempre consigo mesmo, curtindo os horizontes de sua própria personalidade, sem necessidade de pessoas ao seu redor. Concorda plenamente que seu matrimônio não existiu desde o início, porque não conseguiu superar as limitações, sendo o que sempre foi, desde a sua infância.

8. Das cinco testemunhas arroladas, somente três compareceram para enriquecer os autos do processo. O padrinho do casamento deixou claro que Reginaldo era e continua imaturo para a vida a dois, pelo fato de ser muito voltado para si mesmo, como se fosse uma ilha no meio da convivência humana. O mesmo ficou comprovado pela madrinha, quando diz que Reginaldo sofria de narcisismo exacerbado. Quando frequentava a piscina do casal, antes e depois do banho, ficava quase meia hora se olhando no espelho. Quando jogava golfe, não admitia que alguém risse dele. A gente nunca sabia o que pensava, pois não se deixava interpelar por ninguém. Sua mãe, como terceira testemunha, disse que seu filho é o único do lar e que sempre foi muito mimado por ela. Depois da separação, ele vive com ela. E segundo a genitora, não se relaciona com outras mulheres, nem com homens, com ninguém. Fica altas horas vendo filmes e nos relacionamentos virtuais da internet. Acorda tarde e quando volta do trabalho, não quer saber de conversa, nem de visitar ninguém. Disse também que ele nunca aceitou ajuda de ninguém, pelo fato de não ser doente. Aliás, nos últimos tempos da vida a dois, tiveram várias brigas, em que Reginaldo esbravejava, batia na filha e na esposa e depois se trancava no quarto, como se nada tivesse acontecido. No dia seguinte, sumia de casa e voltava somente aí pela meia noite, para não ser incomodado por ninguém. Segundo ela, Reginaldo nunca deveria ter casado.

9. Tendo em vista a maior clareza na certeza moral a ser proferida, foram solicitadas duas perícias sobre os autos do processo. Na primeira, o perito evidenciou que Reginaldo não padecia de uma anomalia grave. Porém, a sua personalidade era despreocupada com a esposa, com a filha, com os atos sociais. Ele não conseguiu superar o egoísmo de sua infância, nem antes e nem durante a vida matrimonial. Em sua personalidade egocêntrica, dificilmente se realizaria em outro matrimônio. Na segunda perícia, o perito chega à conclusão que Reginaldo era cercado de um contexto de baixa auto-estima, que nunca esteve seguro em seu matrimônio. Apresentou uma escala egocêntrica de valores, que não lhe permitia transcender na vida conjugal, além do seu próprio eu. Tudo gravitava ao redor de si mesmo.

10. Depois de tudo considerado, após invocarem o Espírito do Senhor, tanto o Colégio Judicante da Primeira Instância, quanto o Colégio Judicante da Segunda Instância chegaram à conclusão que este matrimônio foi nulo desde a sua raiz, porque não chegou a nascer e nem a crescer, porque foi afetado desde as suas origens pela incapacidade psíquica do esposo para a vida matrimonial (can. 1095, 3º).