sábado, 15 de janeiro de 2011

Uso profano de uma Capela


Conforme já é do vosso conhecimento, dentro de poucos dias o Asilo Lar Feliz será entregue ao novo proprietário, que vai destinar o imóvel para um hotel, depois de reformado. Até aí tudo bem, mas o problema surge, porque dentro deste asilo tem uma Capela, dedicada a São Francisco de Assis, que era usada pelos velhinhos, diariamente e, de quando em quando, para uma celebração de Natal, de Páscoa e dia do Padroeiro. Para tanto necessito de uma orientação de vossa parte, referente a desativação da capela. Tenho dúvidas, se preciso de autorização do Bispo, para o desuso desta capela, tendo em vista a sua nova finalidade. Assim, pergunto: quais são os trâmites legais de acordo com o Código de Direito Canônico a serem tomados?

1. A questão do internauta entra na esfera da bênção e dedicação dos bens sagrados.
2. As capelas, igrejas, oratórios e cemitérios transformam-se em lugares sagrados, mediante uma dedicação ou bênção, que é prescrita nos livros litúrgicos (can. 1205). Uma capela pode benzida pelo Ordinário (Bispo ou Superior religioso competente) ou outro sacerdote delegado por ele (can. 1207). E se for uma bênção ou dedicação de uma igreja ou cemitério, deve haver ainda um documento, que é conservado na igreja e na cúria diocesana (can. 1208).
3. Reza o cânon 1212 que: “Os lugares sagrados perdem a dedicação ou a bênção, se tiverem sido destruídos em grande parte ou se forem permanentemente reduzidos a usos profanos, por decreto do Ordinário competente ou de fato”.
4. É importante distinguir o ato que pode acontecer através de uma destruição, de uma execração ou através de um uso profano.
5. A destruição pode acontecer por uma intempérie da natureza (terremoto, tsunami, vendaval, enchente) ou ainda pela deterioração, que precise de uma grande reforma ou restauro.
6. A execração é o ato de perda da qualidade ou condição de ungido. Isso ocorre, normalmente, por atos de vandalismo ou de profanação, em que parte ou o todo do lugar sagrado é destruído.
7. Por uso profano, entende-se como aquele uso impróprio ou alheio à coisa sagrada, diferente da sua primeira finalidade de culto ou de santificação das pessoas (can. 1171 e 1269). Tal situação ocorre quando o lugar sagrado é alienado pela pessoa jurídica competente. Exemplo: uma capela de interior, que não tem grande valor artístico e que entra em desuso de culto e celebração. Ela pode ser vendida pela pessoa jurídica a outra pessoa jurídica ou física, tendo em vista outra finalidade (residência, hotel, armazém, clube de festas, sauna).
8. Em todas as possibilidades contempladas, para que o lugar, sobretudo se for igreja, volte a ser sagrado, necessita de uma nova bênção ou dedicação pela autoridade competente (can. 1217, § 1). Porém, se isso não ocorrer, o imóvel em foco perde a sua condição de coisa sagrada pela própria destruição, execração ou uso profano.
9. Acostando a parte jurídica ao fato apresentado, podemos tecer as seguintes considerações, como encaminhamentos de respostas:
1) Verificar nos arquivos do asilo, da cúria diocesana ou de outra pessoa jurídica da Igreja, se consta de algum documento comprobatório da bênção ou dedicação da capela. Se a resposta for afirmativa, é possível a alienação do imóvel, com outro uso da capela, mediante a licença da autoridade competente, em vista da nova finalidade do imóvel;
2) Mesmo que a capela venha a ser usado para outras finalidades, que as alfaias (objetos do altar, vestes litúrgicas, imagens) sejam remetidas a outra capela ou pessoa jurídica. Aqui é importante verificar também se por acaso as alfaias tenham sido doadas por pessoa física ou jurídica. Em ambas, respeite-se a vontade do doador, se ele ainda existe. Caso contrário, que sejam destinadas a outra pessoa jurídica afim (capela ou igreja da diocese ou do instituto interessado).
3) Na tramitação de compra e venda do imóvel, redigir um documento, elencando as alfaias da Igreja, em vista do seu novo destino, a ser assinado pelos seus representantes legais e por duas testemunhas.
Assim sendo, a venda do imóvel e o novo destino da capela será amparado pelo direito da Igreja, evitando-se, posteriormente, que haja lamentações ou dúvidas sobre a sua nova finalidade e uso.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Um caso de demissão da vida religiosa consagrada


1. Irmã Valentina nasceu em 1958, numa cidade do interior da França. No ano de 1987 emitiu seus votos temporários na Ordem das Irmãs Carmelitas. Quatro anos mais tarde, julgando-se segura de sua decisão, fez a sua Profissão Perpétua no Carmelo de Santa Tereza. Depois de sua Profissão, trabalhou na sacristia e nos finais de semana, exercia o seu ministério de porteira do referido Carmelo, desempenhando assim com competência os serviços que lhe foram confiados.
2. Após um longo período de dúvidas, Irmã Valentina deixou o Carmelo em fevereiro de 2002, tendo em vista uma experiência de vida eremítica numa cidadezinha de montanha daquele país, com a devida licença do Bispo da Diocese. A seguir, preferiu caminhar por conta própria, subtraindo-se da obediência de seus legítimos superiores, transferiu-se para outra cidade, sua terra natal. Nesta cidade, construiu um eremitério próprio e lá viveu por seis meses. Depois, passou a viver maritalmente com o Sr. Petrônio, que estava em processo de separação de sua legítima esposa. E partir desse ano, não mais respondeu aos apelos de sua legítima superiora, preferindo viver ao seu modo próprio, alheio aos compromissos oriundos de sua profissão religiosa.
3. Depois de várias tentativas feitas em vão, a Priora do Carmelo resolveu apresentar ao Bispo da Diocese os autos em prol de sua demissão por decreto, em requerimento proferido no dia 16 de setembro de 2004. O presente requerimento foi aceito pelo Excelentíssimo Senhor Bispo, datado a 03 de novembro do mesmo ano, em que se concedia o desligamento de Irmã Valentina da Ordem das Carmelitas. Após o envio da presente documentação a Roma, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica devolveu a documentação à Madre Priora do referido Carmelo, numa missiva do dia 15 de fevereiro de 2005, solicitando ainda da Priora as devidas admoestações a Irmã Esterlita, conforme o que reza o cânon 697, 2º. Além disso, a Congregação recordava que seria necessário ainda o decreto a ser emanado pelo Exmo. Bispo Diocesano, por se tratar de um Mosteiro sui iuris (can. 699, § 2).
4. Ao receber o caso, o juiz instrutor estudou a matéria, configurando o caso aos cânones 694 a 704 do atual Código de Direito Canônico, por se tratar de uma demissão dos membros dos Institutos de Vida Consagrada, com os seus devidos motivos e causas a serem apresentadas. No caso em tela, o juiz instrutor assentou o presente processo nos cânones 696 a 699, justamente por se tratar de uma demissão por decreto.
5. O cânon 696, § 1 reza que:
“Alguém pode também ser demitido por outras causas, contanto que sejam graves, externas, imputáveis e juridicamente provadas, tais como: negligência habitual nas obrigações da vida consagrada; violações reiteradas dos vínculos sagrados; desobediência pertinaz às prescrições legítimas dos Superiores em matéria grave; escândalo grave proveniente de procedimento culpável; defesa e difusão pertinaz de doutrinas condenadas pelo magistério da Igreja; adesão pública a ideologias eivadas de materialismo ou ateísmo; ausência ilegítima, mencionada no cânon 665, § 2, prolongada por um semestre; outras causas de gravidade semelhante, talvez determinadas pelo direito próprio do instituto”.
6. Deduzem-se do enunciado deste cânon, sete possíveis causas, com sua devida interpretação. No caso em tela, o juiz deteve-se às primeiras quatro causas mencionadas, tendo em vista o parecer em prol do decreto a ser exarado:
1ª) A negligência habitual da vida consagrada, acontece quando a pessoa consagrada negligencia os seus compromissos, inerentes à sua profissão religiosa. Aqui, não se trata de uma negligência passageira, mas as falhas que criem habitualidade. Exemplos: corriqueiras ausências na celebração da Liturgia das Horas, da celebração eucarística, dos capítulos da fraternidade, dos compromissos próprios, assumidos em fraternidade, ou ainda de alguém que mina a vida fraterna, através de fofocas e outros diálogos que induzem as demais religiosas à negligência dos compromissos assumidos em comum;
2ª) As violações reiteradas dos vínculos sagrados, que costumam acontecer, quando a pessoa que assumiu os conselhos evangélicos em sua profissão, leva uma vida incoerente com o que prometeu. Exemplos: uso indevido e prolongado do dinheiro recebido, em detrimento do caixa comum da fraternidade; compromissos assumidos na pastoral ou nos encontros de interesse pessoal, subtraídos da permissão do superior e da fraternidade; vida dupla em relação ao voto de castidade, com freqüentes ausências da casa religiosa para freqüentar ambientes indecorosos ou pessoas, com suspeitas reiteradas de violação do voto de castidade ou das promessas do celibato (quando for o caso de um religioso diácono, sacerdote ou bispo);
3ª) Desobediência pertinaz às prescrições legítimas dos Superiores em matéria grave: Isso acontece, quando a pessoa consagrada não acata mais as orientações ou normas emanadas pelo Superior, no intuito de seguir a sua vontade própria, que também é uma violação do voto de obediência. É caso, por exemplo, de alguém que não faz mais os retiros anuais, promovidos pelo Instituto, sem justificativa ou com justificativas incompatíveis ao seu estado de vida;
4ª) Escândalo grave proveniente de procedimento culpável: Alguns motivos graves e culposos são previstos nos cânones 694 e 695, com demissão ipso facto, tais como: abandono notório da fé (can. 694, § 1, 1º); celebração ou tentativa de matrimônio, mesmo que seja somente no civil (can. 694, § 1, 2º); viver em concubinato público e notório, ou outra violação contra o sexto mandamento, se for clérigo (can. 1395); cometer homicídio, rapto ou detenção de alguém com violência ou fraude, ou ainda cometer mutilação (can. 1397); ou aborto, seguido de efeito (can. 1398). Além desses delitos supramencionados, podem ocorrer outros, que são julgados como procedimentos culpáveis, que também podem provocar escândalo. É o caso, por exemplo, de um religioso (não clérigo) ou religiosa que é suspeito de viver em concubinato; ou de um religioso ou religiosa que pratica atos de escândalo, por furto de objetos de um instituto, na calada da noite, para alienar e conseguir dinheiro para interesses pessoais; ou ainda de quem contrai dívidas pessoalmente, exigindo que sejam pagas com o dinheiro do caixa comum. Nesses e noutros exemplos, podemos constatar, via de regra, que houve escândalo e se for praticado habitualmente, pode levar um instituto a demitir um de seus membros, por decreto.
7. O Supremo legislador previu e codificou a correção, a ser efetuada em muitos modos, sejam elas feitas verbalmente, sejam elas feitas por escrito. Aqui entram as admoestações, previstas no cânon 697, 2º. As admoestações têm como espelho os compromissos próprios, provenientes dos conselhos evangélicos, assumidos pelo religioso ou pela religiosa no dia de sua profissão. Pelo fato de a profissão ser pública, diante do superior competente, por conseguinte, são públicas também as admoestações, ou seja, devem ser dadas em foro externo. Se forem proferidas verbalmente, deve haver duas testemunhas que atestem o ato. Se forem dadas por escrito, que sejam devidamente assinadas pelo legítimo superior e pelo notário do Instituto, que acompanha e atesta os seus atos públicos. Uma vez que são atos públicos, exige-se ainda que se tenham provas, que as mesmas foram recebidas pelo sujeito. Aqui, normalmente basta que a correspondência seja registrada, constando do AR, que certifique a mesma foi entregue ao sujeito. A assinatura do AR, necessariamente, não precisa ser do próprio sujeito, uma vez que ele pode estar ausente, sendo recebida por outra pessoa. Enfim, as admoestações devem deixar claro ao sujeito que se ele não se emendar no prazo previsto, poderá ser demitido do Instituto, de acordo com o processo a ser feito.
8. O ordenamento jurídico prevê ainda o direito de defesa. O membro da vida consagrada, como todo e qualquer fiel cristão, tem o seu direito de defesa preservado. Se ele responder verbalmente ao superior, que a sua resposta seja atestada por duas ou mais testemunhas (can. 697, 2º). Se a resposta for por escrito, deve ser assinada pelo interessado. Aqui, não basta uma carta anônima, que venha a dificultar o seu remetente, porém, deve ser atestada publicamente, que foi emitida pelo interessado ou pelo seu procurador (no caso dele estar incapacitado de escrever a defesa ou de assiná-la). E se depois de duas admoestações, o interessado não apresentar a sua defesa, significa que o seu silêncio é um consentimento ao processo de demissão.
9. Ocorre lembrar ainda que a presente normativa deve estar contemplada no direito próprio do Instituto de Vida Consagrada ou Sociedade de Vida Apostólica. No caso em epígrafe, as Constituições do Carmelo previam que o decreto deve ser emanado pelo Bispo diocesano e, que o decreto de demissão só tem valor após ser confirmado pela Santa Sé.
10. O juiz instrutor acostou a parte jurídica aos fatos, apresentando a seguinte argumentação como provas:
1) Relatório da Visita Canônica, efetuada nos dias 19 a 21 de junho de de 2000, assinado pelo Bispo diocesano da época, que afirma o seguinte:
“A religiosa em apreço, Irmã Valentina, tem mostrado um modo de proceder unanimemente reprovado pela comunidade: - Desobediência frontal à Madre Priora, acompanhada de falta de respeito e mesmo agressão verbal; - Participação de modo inadequado no Ofício Divino, perturbando a oração da comunidade; - Críticas contínuas à opção da comunidade de não participar da Associação que reúne alguns Carmelos e críticas públicas ao modo de ser da Comunidade; - Tentativa de influenciar as Noviças escandalizando-as com comentários sobre a Comunidade e o governo do Carmelo; - Depois de tentar por muito tempo a fundação de um Carmelo em sua cidade natal e diante da não aceitação pela autoridade eclesiástica competente, hoje fala abertamente que seu projeto é agora a reforma do Carmelo São José do qual não pretende afastar-se” (Cf. Relatório da Visita Canônica, p. 05).
2) Carta de Dom Peppone à Madre Priora do Carmelo, enviada no dia 18 de fevereiro de 2002, onde o Ordinário local concede a licença da Irmã Valentina para se ausentar da Comunidade, com a devida justificativa:
“Irmã Valentina é Professa. Num longo processo de discernimento com seu diretor Espiritual, que eu também acompanhei, ficou claro que sua vocação segundo o carisma carmelitano é inegável mas deveria vivê-lo numa vida eremítica e não numa comunidade. Concedi, pois, a esta Irmã a devida licença para ausentar-se da sua comunidade, a fim de conhecer mais de perto os eremitérios que ela foi informada haver em sua terra natal. Agradeceria muito à Madre ajudá-la nesta procura e experiência”(Cf. Anexo 03);
3) Questionário respondido pelas suas Co-Irmãs, que acompanharam a sua vida desde o tempo da profissão temporária, com data do dia 13 de março de 2005, onde o juiz instrutor destaca os trechos de maior envergadura:
“Teve dificuldades de relacionamento com suas companheiras de noviciado e, após o mesmo, também com outras irmãs da comunidade. Após o noviciado, manifestou muita dificuldade em obedecer. Foi muito singular nas suas atitudes dificultando assim seu entrosamento na vida comunitária. Algum tempo após a profissão solene, apesar dos conselhos em contrário, quis ser eremita, construindo em sua terra um eremitério, sem as devidas licenças da Priora e da Ordem. Foi por este motivo que abandonou o Carmelo. A Irmã não aceitava nenhum conselho de suas Prioras e co-irmãs. Consultou vários sacerdotes, dentre os quais, Frei Gerhard. E depois de sua saída do Carmelo, também nunca aceitou os conselhos que lhe dirigimos. Decidiu abandonar a vida religiosa consagrada a 04 de dezembro de 2002, e desde então, vive fora do Carmelo. Saiu com a permissão do Sr. Bispo, Dom Peppone para uma experiência de vida eremítica em outra cidade. Mas de lá dirigiu-se à sua terra natal, sem licença de alguém, onde construiu um eremitério para si. Atualmente, ela vive maritalmente com o Sr. Petrônio, num local de difícil acesso”(cf. Anexo 06);
4) Primeira Admoestação Canônica, emitida pela Priora no dia 17 de fevereiro de 2005 e recebida no dia 25 do mesmo mês (cf. AR), onde Irmã Valentina responde com algumas chacotas sobre a própria admoestação, não justificando a sua ausência (cf. anexo 07);
5) Segunda Admoestação Canônica, emitida pela Priora no dia 21 de março de 2005 e recebida no dia 23 do mesmo mês (cf. AR), onde não temos nenhuma resposta de Irmã Valentina, significando assim que ela não quer se emendar e retornar ao Carmelo (cf. anexo 08);
6) Declaração do Conselho do Carmelo, favorável ao Decreto de demissão, datada no dia 25 de março de 2005 (cf. anexo 09);
7) Parecer da Priora do Carmelo, justificando a necessidade da Demissão de Irmã Valentina do Carmelo, datada no dia 27 de março de 2005 (cf. anexo 10).

11. Tudo considerado, seja de direito que de fato, de acordo com a documentação em anexo, o juiz instrutor conclui que o modo de viver de Irmã Valentina, tanto nos últimos anos dentro do Carmelo, quanto depois de sua saída e sem retorno, está em desconformidade com a profissão religiosa emitida por ela no Instituto.
12. Diante do caso em tela, o juiz proferiu o parecer favorável, para que os autos fossem encaminhados à apreciação e decisão do Bispo Diocesano. A seguir, for decretada pelo Ordinário local a demissão de Irmã Valentina do Carmelo, que enviou toda a documentação à Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, no dia 03 de maio de 2005. Dois meses depois, A Congregação homologou o decreto do Bispo, comunicando à Irmã Valentina o decreto de sua demissão da vida religiosa consagrada.