sábado, 22 de maio de 2010

Uniões homoafetivas e batismo na Igreja


Sou pároco de uma cidadezinha do interior. Ao tomar conhecimento da assinatura do Presidente Lula sobre o PNDH-3 (Programa Nacional dos Direitos Humanos 3), dia 14 de maio do corrente ano, me deparei com o seguinte problema. Considerando que a adoção de crianças por casais homoafetivos pode virar moda no Brasil, pelo simples fato disso já estar consolidado na jurisprudência e agora, mais ainda, diante da aprovação nacional deste programa, como ficariam os casos de crianças adotadas por estes casais? Teriam eles direito de batizar tais crianças? Se a resposta for afirmativa, no caso de duas mulheres ou de dois homens, que registro deve constar no livro de Batismos?

O Programa Nacional dos Direitos Humanos 3, ao ser aprovado, dentre as muitas perspectivas para o bem comum da sociedade, abre o caminho para temas bastante espinhosos no cenário da Igreja, tais como: a descriminalização do aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à adoção de crianças por casais homoafetivos e à profissionalização da prostituição.

O fulcro de nossa análise, tendo como base a questão apresentada pelo senhor pároco, não entrará no palco de outras temáticas, a não ser a da adoção de crianças por casais homoafetivos e o seu batismo na Igreja. O prisma a ser tecido não entrará na questão ética ou moral do assunto, porque isto já deve ser sabido pelo referido pároco ou da maioria dos internautas. A nossa síntese será norteada pela perspectiva jurídico-pastoral, no desmembramento que segue:

1. Batismo de crianças, cujos genitores ou adotantes vivem numa união irregular

De acordo com a tradição e doutrina da Igreja, a união irregular resulta da união ou situação de vida instaurada por um varão e uma varoa, que tem uma certa semelhança com o estado legítimo de vida matrimonial, cujos contraentes, à diferença do concubinato, têm a intenção ou ânimo marital que se prolonga por um tempo, ou até mesmo para toda a vida. Uma união deste gênero, mesmo sendo obrigado à forma canônica (casamento da Igreja) e sendo juridicamente ineficaz, constitui-se em semelhança de matrimônio, porém não é sacramento na Igreja.
A doutrina da Igreja insiste que toda a relação sexual genital deve manter-se no quadro do matrimônio. Por conseqüência, a união irregular não seria legítima, a não ser que se instaure um consórcio de vida perpétuo entre um homem e uma mulher. Tal relação somente seria reconhecida pela Igreja, se houvesse o consentimento dado pelas partes em modo oficial, resultando então no sacramento do matrimônio na Igreja.
Até pouco tempo atrás, se falava dessas uniões, conjugadas entre o sexo masculino e feminino. Na atual conjuntura do Povo de Deus, porém, surge uma gama de novas entidades familiares, presentes no cenário das pessoas batizadas na Igreja e que delas não se afastaram por um ato formal. Neste horizonte, as famosas uniões homoafetivas, ou casais homoafetivos, por tabela, são equiparadas às uniões irregulares, justamente porque não contraíram o matrimônio na Igreja.
Na hipótese da apresentação de uma criança adotada por estas novas uniões irregulares, sou do parecer que se possa questionar a educação a ser dada aos adotados por dois “pais” ou por “duas mães”. Também se questiona se tais casais terão um espaço de boa acolhida no meio da sociedade e da comunidade de fé. No entanto, do ponto de vista jurídico, o Código de Direito Canônico é taxativo, quando afirma que “os ministros sagrados não podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem devidamente dispostos e que pelo direito não forem proibidos de os receber”(can. 843, § 1). Em outras palavras, é uma obrigação (dever) dos ministros sagrados, que corresponde a um direito da parte dos fiéis cristãos. Contudo, o dever de justiça dos ministros sagrados de não negar os sacramentos aos fiéis, pressupõe três condições básicas da parte deles:
1) Uma razoável petição;
2) Uma boa disposição para receber os sacramentos;
3) Não estar proibido pelo direito de os receber.
Não podemos esquecer que o batismo é um direito natural da pessoa humana, que independe até da religião de seus genitores ou adotantes. Diante disso, se pode questionar sobre o exemplo que os casais homoafetivos a seus filhos, adotados. Porém, se houver esta disposição dos tutores de introduzir esta pessoa na caminhada cristã, independentemente de suas condutas morais, a Igreja não tem o direito de negar o batismo. A culpa pode ser dos tutores, porém não da criança adotada, que poderá seguir um rumo diferente dos casais homoafetivos, na medida em que cresce e se desenvolve dentro da sociedade e da Igreja.

2. O registro do batismo de crianças, cujos pais são homoafetivos

Várias hipóteses de casais homoafetivos poderiam ser levantadas. Por exemplo, se Valentina se apaixona por Giovana, se unem, se casam no civil e como não teriam condições físicas de gerar um filho, poderiam tranquilamente adotar uma criança. O mesmo se poderia dizer de Vicente, que se apaixona por Mário, enamora-se, se dá em noivado, se casa com ele no civil e não podendo gerar uma filha, este casal homoafetivo teria condições jurídicas diante do Estado de adotar uma criança. Na hipótese de serem católicos praticantes, certamente não gostariam de ver a sua filha adotada crescer sem o batismo. De acordo com a normativa canônica, eles podem batizar a sua Igreja. Surge então a dúvida no ministro do batismo. Como transcrever os nomes do casal homoafetivo no lugar do pai e da mãe da criança? No lugar da mãe, deveria ele escrever Valentina ou Giovana, ou as duas pessoas no mesmo espaço? No lugar do pai Vicente, deveria ele escrever o nome de Vicente ou de Mário? Ou os dois nomes na mesma linha, ou ainda o nome de Vicente como pai e o de Mário como mãe?
Nas empresas, se a pessoa não quiser o seu verdadeiro sexo, já possível usar um nome social no crachá, mantendo, contudo, o nome civil de seu registro na carteira de trabalho e no contrato. Mas na Igreja, segundo os livros de batismo tradicionais, não há espaço para os dois nomes como pais, nem dos dois nomes como mães. Então, qual seria o modo de proceder?

Reza o Código de Direito Canônico que “o pároco do lugar em que se celebra o batismo deve registrar no livro de batizados, cuidadosamente e sem nenhuma demora, os nomes dos batizados, fazendo menção do ministro, pais, padrinhos, bem como testemunhas, se as houver... Tratando-se de filho de mãe não-casada, deve consignar o nome da mãe, se consta publicamente sua maternidade ou a ela o pede espontaneamente,... deve-se também inscrever o nome do pai, se sua paternidade se comprova por algum documento público ou por declaração dele... nos outros casos, inscreva-se o que foi batizado, sem fazer nenhuma indicação do nome do pai ou dos pais”(can. 877, § 1 e 2). No caso específico “de filho de adotivo, inscrevam-se os nomes dos adotantes, como também, ao menos se assim se faz no registro civil da região, os nomes dos pais naturais..., atendendo-se às prescrições da Conferência dos Bispos”(can. 877, § 3). No caso do Brasil, a Conferência Episcopal segue a mesma normativa supramencionada.

Deduz-se do ordenamento jurídico da Igreja, de acordo com o cânon 877, § 3, que existe uma brecha para a devida inscrição dos nomes dos dois pais ou duas mães adotantes, mesmo que isso ainda não seja contemplado no espaço físico dos livros de batismo. E mesmo que os livros não contemplem esta possibilidade, se poderia fazer uma anotação suplementar no espaço reservado às observações, inscrevendo ali os nomes do casal homoafetivo. O que não se pode fazer, de acordo com a normativa e as orientações da Igreja, é negar o batismo ou ainda subtraí-lo do seu devido registro.

Esta é a minha interpretação. Espero a tua opinião ou contestação sobre o assunto nos comentários deste blog.

Nenhum comentário: